A alma é um cenário.
Por vezes, ela é como uma manhã brilhante e fresca,
inundada de alegria.
Por vezes ela é como um pôr do sol...
triste e nostálgico.

-Rubem Alves-

Seja bem-vindo. Hoje é
Deixe seu comentário, será muito bem-vindo, os poetas agradecem.

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Ano Novo Cristão



A todos amigos e visitantes do blogger,
desejo um ANO NOVO pleno de alegrias,
muita Paz, Saúde e Realizações.
Feliz, Ano Novo Cristão, de 2.010!

Maria Madalena

My Dead


“Only the dead don’t die”

Only they are left me, they are faithful still
whom death’s sharpest knife can no longer kill.

At the turn of the highway, at the close of day
they silently surround me, they quietly go my way.

A true pact is ours, a tie time cannot dissever.
Only what I have lost is what I possess forever.

Rachel Bluwstein
(Russia 1.890,Tel Aviv in 1.931)


‘Só os mortos não morrem’

Só eles a mim me restam, são tranquilos e leais
os que a morte não pode matar mais com seus punhais.

Ao declinar da estrada, no final do dia
em silêncio se acercam, em sossego seguem minha via.

Verdadeiro pacto é o nosso, nó que o tempo não desmente.
Só aquilo que perdi é meu eternamente.

Rahel Bluwstei, 1890 – 1931.
Tradução de Nuno Guerreiro Josué

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

"Acompanhamento Lírico"



Desceu a nuvem. E de vale em vale
a manhã ficou pálida suspensa
Árvores lama fronte de quem pensa
vestem de branco um branco glacial
Como flecha de lume no vitral
também minha alma que brilhou intensa
novamente afogou sua presença
no fundo de uma túnica irreal
E levo-a
pelo mar fora pelo mar da névoa
sob o silêncio úmido profundo
em cujas mãos de lágrimas deponho
o mutilado corpo do teu sonho
corpo sem asas de voar no mundo


Luís Veiga Leitão
(Portugal-27 de Maio de 1912 —Brasil-9 de Outubro de 1987),

domingo, 27 de dezembro de 2009

"Intervalo"



Às vezes,
Todas as dores de uma vida inteira
Gritam...

Às vezes,
Nas mãos, os gestos de perdão
Petrificam...

Às vezes,
As canções dos anjos
Emudecem...

Às vezes,
Os silêncios , numa praia derradeira
Desaguam...

Às vezes...
Só às vezes...


Vera Muniz
(Queen of Hearts)

sábado, 19 de dezembro de 2009

A punto de un viaje en coche



Las ventanas reflejan
el fuego de poniente
y flota una luz gris
que ha venido del mar.
En mí quiere quedarse
el día, que se muere,
como si yo, al mirarle,
lo pudiera salvar.
Y quién hay que me mire
y que pueda salvarme.
La luz se ha vuelto negra
y se ha borrado el mar.


Francisco Brines
(España-1932)

'O destino não é um lugar'



O caminho foi longo e houve névoa.
Porém, houve o espaço. Mas agora
adensou-se a névoa até ao ponto
de ser o espaço o muro que já roço.
Nele me deterei e, ao voltar
os olhos para trás, a mesma névoa
far-me-á tentar de novo o mesmo muro
e, se eu dirigir o olhar ao céu
para ali me salvar, a negra névoa
irá cegar-me os olhos, e assim será
isto a que chamaste sono eterno.


Francisco Brines
Trad.:José Bento
(Poeta español nacido en Oliva, Valencia en 1932)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

O Guarda-Chuva



Meses e meses recolhida e murcha,
sai de casa, liberta-se da estufa,
a flor guardada (o guarda-chuva). Agora,
cresce na mão pluvial, cresce. Na rua,
sustento o caule de uma grande rosa
negra, que se abre sobre mim na chuva.


Mauro Mota
(Pernambuco-1911-1984)

POEMAS DO VENTO



Gastar-se no tempo
diluir-se no vento
evolar-se no sonho
deixando
- haverá quem o colha? -
um resíduo...

Memória.

Levarei por onde ande
uma inquietação mais nada
impulso vital que extingo
dentro de um pouco de lama.

Tal que o vento que baila
fazendo seu corpo efêmero
com a poeira das estradas...


Menotti Del Picchia
(São Paulo- 1898-1988)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

AUSÊNCIAS



Chegará o dia de entrar
na casa
olhar as cadeiras,
e mesas

vazias,

Observar o mar do silêncio
que arruma a casa,

os ecos,

dos que deixaram
a casa.

Chegará o dia de ver
na casa
o espaço vazio
das janelas
o mato adentrando a porta...


E tudo.

Esta marcha de ausências,
o vazio
sílaba secreta
de certo norte
caberá na bússola de
dentro dos olhos.

Georgio Rios
(Bahia)

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

AS TRÊS PALAVRAS MAIS ESTRANHAS



Quando pronuncio a palavra Futuro
a primeira sílaba já pertence ao passado.

Quando pronuncio a palavra Silêncio,
destruo-o.

Quando pronuncio a palavra Nada,
crio algo que não cabe em nenhum não-ser.


Wislawa Szymborska
Tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves
(Polonia-1923)

Em sinal de luto



Conto, pelos dedos, o tempo de entardecer
cansaços. Um negativo de lembranças,
compulsivamente recortadas no coração,
transforma a brisa em rostos familiares.
Crava-se-me, na pele, um sangue-frio
de mortes solitárias e estremece-me
o corpo em sinal de luto. A noite cheira
a despojos de velhos monólogos.

Graça Pires
De Uma certa forma de errância, 2003
(Portugal)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Outono



Aquela nuvem cinzenta, punha uma luz nevoenta no dia úmido e frio
No chão molhado da estrada, ficara, leve, marcada
a impressão dos teus passos....

Sentia que me invadia, da vida que se perdia
o mais mortal dos cansaços...
Como a árvore, na turva luz que se apaga, recolhe a seiva e dormita.
Assim minha alma cansada, já nem sequer era aflita;
nem esperava
Nem desejava...

Olhava...

Apenas viviam meus olhos tristes e lassos.
No chão molhado da estrada
ficara, leve, marcada
A impressão dos teus passos...


Francisco Bugalho
(Portugal 1905-1949)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009



No meu peito a ferida torna a abrir
quando as estrelas caem e se tornam parte do meu corpo
quando o silêncio cai abaixo dos passos dos homens.

Estas pedras afundando-se no tempo, até onde me
irão arrastar com elas?
O mar, o mar, quem o pode esgotar?
Vejo a cada madrugada mãos acenando ao vulto e ao
falcão
atado como estou à rocha que o sofrimento tornou minha,
vejo árvores respirando a serenidade opaca da morte
e os sorrisos - nunca inteiros - das estátuas.


Yorgos Seferis
Tradução:Tatiana Faia
in: Collected Poems (1922 - 1955)
Edmund Kelley e Philip Sherrard,Princeton University Press, 1971.
(Grécia-1900-1971)

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009



Sofro
de não te ver,
de perder
os teus gestos
leves, lestos,
a tua fala
que o sorriso embala,
a tua alma
límpida, tão calma...

Sofro
de te perder.
durante dias que parecem meses,
durante meses que parecem anos...

Quem vem regar o meu jardim de enganos,
tratar das árvores de tenrinhos ramos?


Saúl Dias
In: Tarde Azul
(Portugal 1902-1983)

DEPOIS DO VENDAVAL



Obumbra-se a manhã ! O céu fechado
Desenrola-se em forma de sudário!
O meu pobre jardim desmoronado,
Quase se transformou num triste herbário!

Há em cada amaranto desbotado,
Uma desolação de campanário !
Como se houvesse por ali passado
O espetro de um tufão incendiário!

Num segundo o jardim se recompõe!
O sol desponta e sobre as plantas põe
Miríades de cores luminosas !

A primavera se renova enfim!
Como se Deus descesse em meu jardim,
Benzendo as flores e crismando as rosas! . . .


Miguel Jansen Filho
(Paraíba 1925/1994)

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

La Vida es Sueño



A pedra
a pedra como o fogo
com suas resinas e ramas
a pedra como o fogo
é um sonho
de pálpebras abertas.

O sonho é quando
no veludo íntimo da noite
fogo e pedra se sonham:
— as pálpebras cerradas.

Hélio Pellegrino
(1924 -1988- Minas Gerais)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

DESCOMPASSOS



Baila sob a luz das estrelas.
Desata o fio de teus sapatos.
Deixa que o sol te beije de esperanças e risos.
Faze de tua vida
um hino ao beijar os olhos da manhã
uma harpa ao por os pés no ventre da noite
um rodopio de azuis, de conchas e de búzios.


Deixa que o vento brinque com teus pés
a chuva te beije ate se cansar
as flores e os verdes e os caracóis
enfeitem teus cabelos de verões.


Corre atrás da vida com ternura de criança
e canções plenas de paz
e com risos de palhaços
porque tudo, todos nos
brincamos de viver bem
sempre, sempre
num carrossel
no circo da vida.


Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

'The Road Not Taken'



TWO roads diverged in a yellow wood,
And sorry I could not travel both
And be one traveler, long I stood
And looked down one as far as I could
To where it bent in the undergrowth;

Then took the other, as just as fair,
And having perhaps the better claim,
Because it was grassy and wanted wear;
Though as for that the passing there
Had worn them really about the same,

And both that morning equally lay
In leaves no step had trodden black.
Oh, I kept the first for another day!
Yet knowing how way leads on to way,
I doubted if I should ever come back.

I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I—
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.


Robert Frost
(1874–1963)
Mountain Interval- 1920.

sábado, 28 de novembro de 2009

A vida para



Agora a vida é que para,
e humildemente te fitas.
Que mortas águas ascendem
à flor do tempo. Que face
ou simples lembrança de algo
compõe a máscara imóvel
que te olha e cala. Silêncio.
Quem és tu que não te sentes,
em ti, no ar, no horizonte,
nesta órbita, ou naquela?
És eco apenas. A face
de tudo em nada. És o antes,
sem depois.


Emílio Moura
in Itinerário Poético

EXÍLIO



Já nada vejo nessa bruma
que ora te esconde.
Quero encontrar-te, mas a noite
não me traz nenhuma
esperança de onde nem quando.

Amor, ah, quanto me deves!
Que é dos pés que, leves, leves,
roçavam por este chão?

Alma, és só tempo e solidão.


Emílio Moura
in Itinerário Poético
(Minas Gerais 1902-1971)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SOFRIMENTO



O sofrimento é um mestre que nos vem
apequenar, fogo que nos abrasa
miudamente: isola-nos da vida,
empareda-nos e nos deixa só.

Amesquinham-se amor e sapiência,
confiança e esperança se adelgaçam
e fogem; com paixão ciumenta e rude,
o sofrimento nos faz e desfaz.

O eu - forma terrena - se contorce
e se bate e resiste em meio às chamas,
depois todo se afunda e silencia;
e eis que também o mestre renuncia.

Hermann Hesse
In Andares

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Renascer



o tempo,
sensorial e não só,
é uma dádiva porque provém do Ser e de ser existência.

talvez tudo derive da fonte hermética e todos os dias o universo se pense.
talvez a consciência (des)fragmentada na fluidez do movimento
aconteça no piscar dos sonhos,

onde somos água em evolução!


Vicente Ferreira da Silva
(Portugal)

PORTA



a porta
como toda fronteira
é apenas para se atravessar
rapidamente ela já não serve mais
um corpo a corpo
e já se está do outro lado
dela nascem o fora e o dentro
ela que é seu vazio.

Ana Martins Marques

HORÓSCOPO



Há duas ou três promessas
espreitando o dia.
Indício de visitas
e incêndios.
Saúde, mas nenhuma alegria.
Distrações e alegrias no trabalho.
No amor talvez não seja bem isso.
Indiferença não é uma saída nessa hora.
Família e dívidas preocupam.
Os astros continuam rodando à toa.
Impossível domar
a fera que te habita
o signo inexato.


Ana Martins Marques
(Minas Gerais- BR)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

BEM-TE-VIS



Olhos de grafite
súbitos demoníacos estrídulos bem-te-vis.
Apregoam ao céu uma verdade morta.
Vista. Sem chama
(clara evidencia).


O jardim se esconde em desvãos e esconderijos.
O jardim não vê –
cresce calado. Os casulos não vêem –
viram borboletas.
Vêem os bem-te-vis
e passam ao dizer.



Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida
Jardins (esconderijos) 1979

A MAGNÓLIA



Sem paixão plantei-a no meio
do jardim. Pesado tributo
à insolvência dos dias.


Bandeiras de cor verde-ferrugem
transeunte natureza de amor desvelam
caravela de pássaros e o vento nas ramas
alegre o riso
na onda: o arco-íris.


(Comprei vestidos sem cor
e – pelo verão – esperei
as vergônteas da morte.
A água que bebi era de cinza.)


Nuvens se espedaçam
inflam botões
alvos
sorrisos na relva
e o chá vertido nas flores bebemos
da lembrança.


(Se nasceram luas apenas
é pétalas decepadas
acaso fui eu
acaso fui
eu?)



Dora Ferreira da Silva
In: Poesia Reunida
Jardins (esconderijos) 1979

Tardes são feitas para durar...


tardes são feitas pra durar
mentiras não

pesco todos os dias
nas tardes

águas escuras
por enquanto

Renato Tapado
De: Poemas para quem caminha (fragmentos)

A terra tem túmulos a mais



A terra tem túmulos a mais
Mas os teus olhos
Ressuscitam tudo

Tu e eu
Morreremos
De excesso de eternidade


Alberto de Lacerda
in: Oferenda II (1994)
(Ilha de Moçambique, 20 de Setembro de 1928-Londres, 26 de Agosto de 2007)

domingo, 22 de novembro de 2009

Revelações



Recebi do estimado amigo FERNANDO CAMPANELLA o desafio de completar estas cinco frases:

Eu já....
Eu nunca....
Eu sei...
Eu quero...
Eu sonho...

Estas são minhas respostas:

Eu já vivi muitas experiencias, que me ensinaram a ser mais humilde diante da fugacidade da vida...

Eu nunca soube dizer não...

Eu sei que muito pouco sei...

Eu quero ter muita paz, ver meus filhos e o mundo todo muito feliz!

Eu sonho ainda viver grandes sonhos...


******

As regras são designar cinco blogs, que devem indicar de quem receberam o convite.

Regina Helena do blogger:
http://frestapoetica.blogspot.com/

José Caros do blogger:
http://sightxperience.blogspot.com/

Maria do Blogger:
http://poesiaseternas2.blogspot.com/

Reggina do blogger:
http://poesianotempo.blogspot.com/

Rosemildo, do blogger:
http://arteemoes.blogspot.com/

Úrsula, do blogger:
http://ursulaavner.blogspot.com/


Muito grata a todos!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Marés




espuma triste como alguém que parte
as águas tentando um toque
extensões
cada vontade é uma onde que molha
em marés diárias
a frieza de um pingüim
eu guardo o mar
dentro de mim

Renato Tapado
Fragmentos de 'Partilhas'

Palavras na penumbra



(7)

Há um silêncio leve sobre as ruas.
Esconde-se em sua tênue vaidade.
Ninguém o escuta. Vai pela cidade
compondo um vento de palavras nuas.

Foge do tempo, foge dessa urgência
de dizer tanto, e tudo, e não ser nada,
e encolhe-se no oco de uma ausência,
como uma ave oculta a face alada.

Há um silêncio vivo como a pele,
que pulsa sob um têxtil desatino,
disposto a seduzir o que o impele

ao devaneio. E o impulso vence-o
e abre uma outra face em seu destino:
pois dentro do silêncio há outro silêncio.


Renato Tapado
(Porto Alegre 1962, escritor gaúcho, radicado em Florianópolis desde 1974.)

domingo, 15 de novembro de 2009

ODE: VISLUMBRES DA IMORTALIDADE VINDOS DA PRIMEIRA INFÂNCIA


V

Nosso nascimento não é senão sonho e esquecimento:
A alma que conosco se ergue, Estrela de nossa vida,
Teve poente noutro recanto
E vem de longe imbuída:
Não de vez esquecida,
Nem totalmente despida,
Arrastando nuvens de glória, viemos a nos originar
De Deus, que é o nosso lar:
O céu nos envolve na infância!
As trevas do cárcere começam a encerrar
O Menino que cresce;
Mas Ele contempla a luz de onde ela vem brilhar,
A vê em sua alegria que resplandece;
O Jovem, ao se afastar deste nascente com certeza,
Trafega, ainda sendo o Sacerdote da Natureza,
É acompanhado em sua jornada
Pela visão encantada;
Por fim, o Homem percebe que a sua vida perece,
E na luz de um dia comum desvanece.


William Wordsworth
in 'O olho Imóvel Pela Força da Harmonia'

I WANDERED LONELY AS A CLOUD



[Vagueava só como uma nuvem...]


Como nuvem eu vogava,
passando montes e prados,
quando súbito avistava
narcisos mil e dourados,
junto ao lago, na floresta,
dançando na brisa lesta.


Contínuos como as estrelas
na Estrada de Santiago,
infindos se alongam pelas
curvas margens desse lago.
E as cabeças sacudiam
no dançar em que existiam.
As ondas também dançavam:
em menos viva folia.
Que poetas recusavam
tão alegre companhia?


Olhei, e olhei, sem pensar
estar vendo coisas sem par.
Que às vezes, quando me afundo
em vácua ou tensa vontade,
eles brilham no olhar profundo
que é bênção da soledade,
e o coração se me enflora,
e dança com eles agora.


William Wordsworth
(England, April 7, 1770 – April 23, 1850)

sábado, 14 de novembro de 2009

Agora é passado



Agora é passado – o feliz agora
Quando junto caminhámos
Sob o ramo do carvalho da floresta
E a natureza disse que nos amávamos.
A rajada do Inverno
O agora desde então rastejou
Por entre nós e separou-nos.
Invernos que murcharam todo o verde
Gelaram o bater do coração.
Agora é passado.

Agora é passado desde que por último nos encontrámos
Sob o ramo da aveleira;
Antes que o sol da tarde se pusesse
A sombra dela estendeu-se sobre a terra.
A rajada do Outono
Manchou e definhou cada ramo;
Morangos silvestres como os lábios dela
Deixaram os musgos verdes do chão
E a flor que ela tinha sobre as ancas.
Agora é passado.

Agora é passado, mudado e envelhecido,
As florestas e os campos estão pintados de novo.
Morangos silvestres que ambos colhemos então,
Nenhum de nós sabe agora onde cresciam.
O céu está nublado
Os morangos desapareceram da entrada da floresta
Todas as folhas verdes se tornaram amarelas;
Adelaide já não percorre os caminhos da floresta,
O amor verdadeiro não tem com quem deitar-se.
Agora é passado.


John Clare
Trad. Cecília Rego Pinheiro
in Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro, Assírio & Alvim


Now Is Past

Now is past – the happy now
When we together roved
Beneath the wildwood’s oak-tree bough
And Nature said we loved.
Winter’s blast
The now since then has crept between,
And left us both apart.
Winters that withered all the green
Have froze the beating heart.
Now is past.

Now is past since last we met
Beneath the hazel bough;
Before the evening sun was set
Her shadow stretched below.
Autumn’s blast
Has stained and blighted every bough;
Wild strawberries like her lips
Have left the mosses green below,
Her bloom’s upon the hips.
Now is past.

Now is past, is changed agen,
The woods and fields are painted new.
Wild strawberries which both gathered then,
None know now where they grew.
The skys oercast.
Wood strawberries faded from wood sides,
Green leaves have all turned yellow;
No Adelaide walks the wood rides,
True love has no bed-fellow.
Now is past.

John Clare
(Helpston, 13 Jul 1793 – m. 20 May 1864-England)

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Para mim mesma



Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem belezas mansas de brumas,
Que na penumbra se evaporarem...


Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem doçuras de auras e plumas...


E as noites mudas de desencanto
Se constelarem, se iluminarem
Com os astros mortos que vêm no pranto...


As noites mudas de desencanto...
Para os meus olhos, quando chorarem...


Para os meus olhos, quando chorarem,
Terem divinas solicitudes
Pelos que mais os sacrificarem...


Para os meus olhos, quando chorarem,
Verterem flores sobre os paludes...


Para que os olhos dos pecadores
Que os humilharem, que os maltratarem,
Tenham carinhos consoladores.


Se, em qualquer noite de ânsias e dores,
Os olhos tristes dos pecadores
Para os meus olhos se levantarem...



Cecília Meireles
In: Baladas para El-Rei (1925)

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Elegia



Por que de estranhas terras eu te acompanho lua solitária
E durmo ouvindo os teus passos de anjo pela noite
Quando os velhos desejos desaparecidos voltam à flor das ondas
E a noite do exílio levanta as suas árvores de sonho,
De um tempo imemorial eu acompanho as tuas viagens,
Tu que vestes os mortos com o que cai do coração dos vivos
Eu te acompanho pelo céu escuro
Sentindo como tua a vertigem da morte que anuncias.
Tu que de um tempo longo ergues teus olhos sobre o tempo
E apenas náufragos aportam a esse país estranho em que tu vives.
Ouço tua voz cair no mar da madrugada
Para que o céu se deite sobre ti como um sepulcro
E as estrelas brilhem nesta noite escura como incêndios.


Paulo Plínio Abreu
In: Poesia
(Belém do Pará -1921-1959)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DÁ-ME A FESTA MÁGICA



DEUS – e de onde é que tiras para acender o céu
este maravilhoso entardecer de cobre?
Por ele soube encontrar de novo a alegria,
e a má visão eu soube torná-la mais nobre.

Nas chamas coloridas de amarelo e verde
iluminou-se a lâmpada de um outro sol
que fez rachar azuis as planícies do Oeste
e verteu nas montanhas suas fontes e rios.

Deus, dá-me a festa mágica na minha vida,
dá-me os teus fogos para iluminar a terra,
deixa em meu coração tua lâmpada acendida
para que eu seja o óleo de tua luz suprema.

E eu irei pelos campos na noite estrelada
com os braços abertos e a face desnuda,
cantando árias ingênuas com as mesmas palavras
com que na noite falam os campos e a lua.


Pablo Neruda
Tradução: José Eduardo Degrazia
(Chile)

Alice in Wonderland



Se esse mundo fosse só meu,
tudo nele era diferente!
Nada era o que é porque tudo era o que não é
E também tudo que é, por sua vez, não seria.
E o que não fosse, seria.
Não é?
No meu mundo você não diria: miau
Diria: Sim Dona Alice!
Ó, mas é verdade!
Você seria como nós Dinah
Os animais falariam.
Ó, no meu mundo...

Meu gatinho ia ter um lindo castelinho
Ia andar todo bem vestidinho
Nesse mundo só meu.

Minhas flores
Quanta coisa eu não diria as flores
Contaria histórias para as flores
Se eu vivesse nesse mundo só meu.

Passarinhos
Como vão vocês, meus passarinhos?!
Vocês iam ter milhões de ninhos
Nesse meu mundo só meu.

Poderia num regato a rir, poder cantar uma canção sem
fim
Quem me dera que ele fosse assim
Maravilhosamente só pra mim!

de "Alice no país das maravilhas"

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Hoje, confesso, acordei com vontade de ser feliz



Hoje, confesso, acordei com vontade de ser feliz.
Amarrei, até, no pulso o amor-perfeito
que foi secando no meu peito e retomei a velha máxima:
não deixar que qualquer angústia atinja o coração.
Um castelo de areia, é tudo quanto quero
para acostar o meu barco de papel.

Aproxima os olhos da vertigem e estremece
com a luz espessa, que brilha nos teus ombros.
No céu do teu país, as estrelas podem ser barcos,
se quiseres sulcar os mares do coração em desordem.


Graça Pires
(Portugal)

OS CAMPOS



Campos por onde nunca passarei
no céu esverdeado deste agosto
- que me importa o que serei
se meu ser é um sol já posto.

Findo talvez – e todo branco
envolto em terra, escuro mosto.
Onde imaginar o que é franco
senão na limpidez só deste rosto ?

Se morre agosto, outro tempo
sucede imutável ao próprio vento.
Campos sei, tão cheios de encantos

e tão devastados no momento
que são Campos e campos
ofertados a todos os espantos.


Lúcio Cardoso
in Poemas Inéditos
(Brasil)

Retomo ao Ponto de Partida



Retomo, pois, ao ponto de partida
como um presente, o ponto de chegada.
Entre um começo e outro não há nada
Excepto o nada da vida vivida.

Desgaste, corrosão do que de novo
em velho se mudou antes de o ser,
etc.


Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente 1'
(Portugal)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

NÃO MORRERAM, PARTIRAM PRIMEIRO



Choras os teus mortos com tanto desalento
que parece até que és eterno

Eles não morreram, apenas partiram primeiro.

Como lobo faminto, te agitas impaciente, na ansiedade de desvendar os mistérios que poderão ser simples, transparentes e brilhantes aos quais terás acesso quando tu mesmo morreres.

Eles não morreram, apenas partiram primeiro, diz sabiamente o provérbio inglês.

Eles partiram antes... Por que insistis em questionar o porque?

Deixa-os sacudir o pó da estrada.

Deixa-os curar no colo do Pai os pés feridos da longa caminhada.

Deixa-os descansarem os olhos nos verdes pastos da paz.

Antes, preparas a tua bagagem, pois o comboio te espera.

E essa sim, é uma tarefa prática e eficiente.

Verás os teus mortos, e isso é um fato próximo e inevitável. Então não tenhas a menor pressa em alterar as poucas horas do teu descanso.

Eles, num impulso quebraram as barreiras do tempo e te esperam pacientemente.

Apenas foram num comboio anterior.

A morte é uma alegria, e esse conhecimento é dado por Deus aos que se aproximam dela, e oculto aos que ainda irão percorrer longa etapa de vida, para que sigam naturalmente o caminho.

Amado Nervo
(Tepic,México- 27 de agosto de 1870 — Montevidéu,Uruguay-24 de maio de 1919)
Tradução livre por Maria Madalena

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O C I S N E



Este sacrifício de avançar
pelos feixes do irrealizado
lembra um cisne, altivo a caminhar.


E a morte – esse nada mais buscar
do chão diariamente repisado –
lembra a sua angustia de pousar


sobre as águas que o recebem mansas
e cedem sob ele, em suaves tranças
de marolas que cercá-lo vem;
enquanto ele, calmo e independente,
segue sempre majestosamente
como ao seu capricho lhe convém.



Rainer Maria Rilke
In: Poemas
Tradução: Geir Campos
(Editora José Olympio)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

o sol do meio dia



o sol do meio dia
não veio nos visitar
meu anjo
não guardou
o lugar na primeira fila
o filme está prestes a começar

guerreiros inflamados
desnutridos de cultura
com armas em punho
espumam líquido rubro
conspiram contra almas
(ainda inocentes)

o sorriso
uma uzi
me faz de alvo
de repente
vi meu escalpo
sangrar
feliz
em suas mãos

herói sem nome
frente ao espelho
diz;
- olá!

bússola sem controle
faz o caminho correto
leva
a lugar nenhum

seres devassos
sussurram preces bucólicas
um cai
outro levanta
traz migalhas de carinho

minha metade homem
sente saudade
a outra
sonha ainda te encontrar

lobos
(os donos da noite)
querem acabar com
a solidão

frestas de desejo
(suave toque)
comandado pelo
derradeiro sopro da vida

maltrapilhos
famintos
cobiçam o beijo do luar
a mão que acaricia
o amor

o grande pano
dá seu último cochilo
fico sentado
impaciente

aguardo uma
continuação



José Geraldo Neres
(São Paulo 04-12/1966)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Cair da noite


Cai a noite a mudar devagar os vestidos
que uma franja de árvores velhas lhe segura;
olhas: e separam-se de ti as terras:
uma que vai para o céu, outra que cai;

e deixam-te, sem pertenceres de todo a qualquer delas,
não tão escuro como a casa silenciosa,
não tão seguro a evocar o eterno
como a que cada noite se faz estrela e sobe;

e deixam-te (indizível de desenredar!)
a tua vida, angustiada, gigantesca, a amadurar, tal
que, ora limitada ora compreensiva,
alterna em ti - ou pedra ou astro.

Rainer Maria Rilke

Magia das cores



De quando em quando um sopro divino,
Céu em cima, céu no fundo,
Mil canções canta a luz,
No multicolor Deus se fez mundo.


Branco para o preto, quente para o frio
Sentem-se sempre atraídos.
Do eterno turbilhar desse caótico rio
Filtra-se novo o arco-íris.


Pela nossa alma assim se transforma mil vezes em
tortura e encontro
A luz de Deus criada, forma
E como sol a enaltecemos.



Hermann Hesse
In: Caminhada

domingo, 25 de outubro de 2009

TO THE SUPREME BEING



The prayers I make will then be sweet indeed,
If Thou the spirit give by which I pray:
My unassisted heart is barren clay,
Which of its native self can nothing feed:
Of good and pious works Thou art the seed,
Which quickens only where Thou say'st it may;
Unless Thou show to us Thine own true way,
No man can find it: Father! Thou must lead.
Do Thou, then, breathe those thoughts into my mind
By which such virtue may in me be bred
That in Thy holy footsteps I may tread;
The fetters of my tongue do Thou unbind,
That I may have the power to sing of Thee,
And sound Thy praises everlastingly.

Michelangelo
translated into English by William Wordsworth

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

SOBREVIVENCIA


(Kamilk)


Imagens fulgidas bailam no segredo das horas
brincam de luas
redemoinham emoções em espirais de fogo.


Imagens secas ou desfolhadas
manchadas de luz severa
não vestem intenções.


Revoltas em cinzas
brincam de quimeras.


Imagens crianças
risonhas prometem céus.


Imagens esperanças
gritantes
imitam o marulhar das águas.


Imagens retalhos vermelhos
prometem auroras
na crença de todas as horas.


Alvina Nunes Tzovenos
In: Palavras ao Tempo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Spring



Spring is again returned. The Earth
is like a child, that knows poems,
many, o many . . . . For the rigor
of such long learning she receives the prize.

Strict was her teacher. We appreciate the white
in the old man's beard.
Now, what to name green, or blue,
we may not ask: she knows, she knows!

Earth, now free, you happy one, play
now with the children. We want to catch you,
joyful Earth. Only the joyful are able.

O, what the teacher taught her, such plenteousness,
and that which is pressed in roots and long
heavy trunks: she sings, she sings!


by Rainer Maria Rilke
from Die Sonette an Orpheus 1, no. 21


XXI

Eis outra vez a Primavera. A Terra
é um menino que sabe dizer versos;
tantos, oh tantos... Por aquele esforço
de longo estudo vai receber um prémio.

Severo foi o mestre. Nós gostávamos
da brancura da barba daquele velho.
Agora podemos perguntar o nome
do verde, o azul: ela sabe, ela sabe!

Terra feliz, em férias, brinca agora
co'as crianças. Queremos agarrar-te,
Terra alegre. A mais jovial consegue-o.

Oh, o muito em que o mestre as instruiu
e o impresso nas raízes e nos longos
troncos difíceis: ela o canta, canta!


Rainer Maria Rilke
de 'Sonetos a Orfeu'
tradução de Paulo Quintela

DE UM ANDAR NOTURNO



Tempestade, chuva oblíqua,
negreja a pradaria,
solenes sombras de nuvens
fazem-nos companhia.


De um vão entre escuras nuvens
súbito a se iluminar
a noite esgueira-se e espia
plena de luar.


Límpidas ilhas do céu,
estrelas sóbrias saúdam;
ao luar, fímbria de nuvens
em rios de prata ondula.


Alma, prepara-te, alma!
Das trevas do tempo,
irmãos de longe te acenam
com pisos de ouro.


Alma, responde ao sinal:
banha-te no espaço!
Deus guiará para a luz
teus obscuros passos.



Hermann Hesse
In: Andares